A mudança no comportamento de consumo e a crescente criticidade dos consumidores está fazendo as marcas repensarem seu modelo de comunicação. As organizações que estão aceitando este processo de mudança e transformando seus discursos estão ganhando o reconhecimento e o sentimento de pertencimento do público.
Os consumidores querem e valorizam novas abordagens de comunicação, como demonstram as comoções em torno de propagandas que fogem dos padrões e apresentam, por exemplo, os diversos tipos de corpos ou, então, as diversas formas de amar. É o que comprova um estudo do banco de investimentos Credit Suisse, com 270 empresas da América do Norte, Europa e Austrália: empresas que trabalham com políticas globais para o público LGBT registraram, nos últimos seis anos, um crescimento no lucro 6,5% maior, quando comparado ao de concorrentes que desprezam a diversidade.
O público, cada vez mais, exige novas posturas das empresas, as quais começam a enxergar de forma mais profunda como argumentar suas propostas. Um exemplo são as marcas de cerveja que tem um extenso histórico de objetificação do corpo feminino, tendo suas propagandas pautadas na banalização da imagem da mulher, e estabelecendo que a aparência importa mais do que todos os outros aspectos que as definem enquanto indivíduos. Subjetivamente, este tipo de comunicação mantêm, ou até mesmo aumenta, as disparidades que persistem entre homens e mulheres. Alvo de muitas críticas, as empresas estão repensando sua comunicação e, como alternativa, criando propagandas que abordam temas como a diversidade.
Sente o vento na cara, no narigão, na cabeleira. […] Cê tem espelho em casa? Então sai de casa. Campanha Skol (2016)
Neste novo cenário que repensa o "padrão de beleza", a empresa utilizou o conceito de inclusão como uma potente forma de viralização de sua marca nas redes. O público valoriza essa redefinição de posicionamento e não hesita em demonstrar isto. Com o sucesso, a Skol retomou e afirmou sua nova estratégia na campanha do Dia Internacional da Mulher: "O mundo evoluiu e a Skol também". Neste sentido, existem outros exemplos, como: o programa Amor & Sexo, apresentado por Fernanda Lima, teve como primeira pauta de 2017 o empoderamento feminino, posteriormente surpreendendo com o tema transgêneros e transsexuais; a Avon, representando as minorias, buscou para suas propagandas modelos negros, travestis, transexuais e transgêneros; no São Paulo Fashion Week (março/2017), surpreendeu com o desfile do estilista Amir Slama, que levou para a passarela a questão do assédio sexual no projeto Sexismo Invisível, criado para o Estadão, com mensagens pintadas nos corpos das modelos que apenas apareciam com o flash das câmeras.
Foto: JF DIORIO (Estadão)
Em relação a este último, a moda é famosa por transformar questões sociais em tendências de estilo bastante passageiras. Surge a dúvida se a indústria está apenas disseminando um belo e vendável discurso ou se realmente está repensando suas estruturas. De nada adianta estampar em camisetas "The future is female", como exibido no New York Fashion Week 2017, se muitas marcas continuam estimulando a competição feminina e a busca incessante pelo "corpo ideal", inclusive influenciando diversos distúrbios alimentares. O exemplo se estende à diversas indústrias e setores.
Utilizando-se da metáfora do iceberg, a comunicação é apenas a sua ponta, enquanto toda a lógica do funcionamento das organizações está oculta - porém existe e deve ser percebida. Não devemos ser inocentes e acreditar na utópica mudança de mercado apenas porque "o mundo está mudando": as empresas estão se adaptando porque o público está pedindo.
O ponto que queremos chegar é que a criticidade das pessoas não é superficial: o público, cada vez mais, percebe e cobra que o discurso e a prática andem juntos. As pessoas estão se informando mais, buscando dados e pesquisas, tentando entender se as suas marcas de preferência possuem internamente os mesmos comportamentos corretos que tentam exibir pela tela da televisão. A propaganda em torno da diversidade é charmosa, claro, mas se um esforço de mudança já está sendo gerado, o ideal é perceber esta adaptação mais profundamente.
A mudança não deve parar na comunicação: há de se repensar em todo o ecossistema da empresa e seu funcionamento, desde seu público externo até seus colaboradores.
De nada adianta abraçar as diferenças nas propagandas se não for olhado e cuidado a forma como a empresa está operando em todo ambiente de negócios. É preciso pensar a inovação social dentro das organizações, renovando métodos ultrapassados, criando novos modelos de negócio, implementando novas práticas sociais e iniciando os movimentos para uma mudança de comportamento real e duradoura.
Esse texto foi escrito pela Gabriela Guelfand e enviado para quem assina o Gulliver, a newsletter da Nômade.
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