"O campo reverbera, mesmo sem a nossa presença". Imagem de Olafur Eliasson* (1967): space resonates regardless of our presence (Tuesday), 2017 - Tanya Bonakdar Gallery, New York 2017 - Photo: Maris Hutchinson
Prólogo
Me pego em um dilema quando começo a escrever sobre o tema em questão. Existe uma dicotomia: por um lado quero ser muito didático e simples, mas, por outro, receio cair em um formato muito pragmático, correndo o risco de estimular uma possível banalização do assunto. Minha intenção é falar sobre “o Propósito como orientação estratégica dos negócios”. O excesso de falação desgasta o uso de determinadas palavras-conceito, podendo limitar e, muitas vezes, enfraquecer a real potência da proposta original.
Falar de Propósito nos negócios é simples, mas gera efeitos tremendos, porque questiona suas lógicas e formatos de atuação, logo, torna-se algo complexo. A dificuldade do tema é justamente conseguir tratar desse paradoxo. Mas tudo bem, vou me arriscar. Parto da imagem abaixo, um infográfico bastante didático, para refletir sobre alguns elementos de contexto que exercem influência nas organizações e, assim, sugerir possíveis formas de aplicação prática.
A descoberta do Propósito como um processo de singularização do negócio
Alguns elementos que surgiram nos últimos 20 anos afetaram nossa estrutura de subjetivação, ou seja: o modo de pensar hoje é outro. O contemporâneo exige-nos atualização e adaptação às mudanças para manter a vitalidade. Essa sobrevivência pode acontecer de diferentes formas:
Aqueles que não entendem as mudanças resistem, mas acabam morrendo;
Os que aceitam a necessidade de mudança, porém não realizam seu processo particular, copiam dos outros. Vivem sem muita relevância;
Outros que entendem a mudança, não resistem, se vulnerabilizam e entram no processo singular de transformação. Podem durar ou não, mas tornam-se mais fortes nessa busca.
Estamos falando aqui, basicamente, de Organizações que buscam entender mais e melhor o que as afeta e o que elas afetam operando no mundo contemporâneo. Abaixo alguns elementos (vide infográfico) que exercem influência:
Nossa capacidade de hiperconexão (capacidade de ter informação) e hipercognição (múltiplas telas) possibilitam o acesso a conteúdos de forma muito rápida, instantânea e simultânea, sendo difícil a imposição de barreiras. Dessa forma, as pessoas estão conectadas e comunicando tudo que veem, fazem e sentem, inclusive seu trabalho. Logo, as empresas estão consequentemente abertas e mais expostas, querendo elas ou não.
Pela facilidade de acesso ao conhecimento, é muito rápido descobrir como “fazer coisas”. De tutoriais sobre como montar uma impressora 3D, até instruções para fabricar motores. Muita coisa pode ser aprendida, além de ser possível encontrar lugares e pessoas que possam "fazer por você". A capacidade de copiar, portanto, também foi incrementada. Ter um bom produto com um bom preço já não é motivo de diferenciação.
Ainda relacionado à abundância de informação que podemos acessar, cada vez mais se percebe o interesse em curadoria, ou seja, pessoas ou algoritmos que propõem “seleções” do que é mais relevante para você, dentro do entendimento do seu perfil. A curadoria é uma atividade que só é capaz de ser realizada quando existe um recorte temático; ela pressupõe a definição de parâmetros seletivos.
Operando esse mundo em transformação estão os jovens. Hoje, com 18 anos, mas nascidos na virada do milênio e totalmente adaptados a essa realidade hiperconectada e hipercognitiva. Essa nova geração inspira e influencia os mais velhos e, por isso, uma nova lógica de consumo (comportamento social) vem surgindo. A geração Z vem reivindicando atitudes éticas. Isso significa que tem necessidade de perceber congruência entre o que se pensa, diz e faz. Logo, as marcas devem estar muito mais atentas para a sua “verdade” e, com isso, se tornarem mais responsáveis por aquilo que afirmam se importar. Negócios sem nenhum comprometimento, ou seja, aqueles que querem apenas “tirar proveito vendendo seu produto”, negócios autocentrados, que olham apenas para o seu benefício, com visões de ganho individual, têm cada vez menos espaço.
Todas essas influências fazem parte desse contexto em que a busca pela descoberta do Propósito torna-se mais importante para prosperidade do negócio.
Mas em que consiste tal descoberta?
Já na composição dessa pergunta é importante atentarmos para o verbo que orienta a ação. Em nenhum momento estamos falando de “criar”, “inventar”, ou “desenvolver” um Propósito. Estamos afirmando a necessidade de “descobrir”, “desvelar”, “encontrar” o Propósito que já existe na organização. Não se trata de um processo convencional de marketing em que se cria um apelo temático de acordo com o que o consumidor quer ouvir, ou de se desenvolver algo a partir da tendência que a próxima coleção aponta. Processos como esse levam a um resultado que pode até ser bem sucedido, porém não será sustentável. O processo de descoberta do Propósito é um encontro com a alma do negócio, e isso vem de dentro para fora. Está ligado à história, aos desejos e à visão de mundo dos fundadores e de quem faz a organização acontecer.
Outro ponto de atenção muito importante, que aparece diretamente relacionado ao cerne do Propósito é a ideia da Gestão do Conhecimento como um processo constante de aprendizagem. O que isso significa? Que nunca teremos um Propósito finalizado e definitivo - ele deve permanecer em movimento, sendo um propulsor de reflexão e questionamento.
Sua função é estabelecer uma atividade de descoberta contínua sobre ele próprio. É como na vida de cada um de nós: não descobrimos o sentido de viver e colocamos essa ideia de forma imutável em uma frase, ou palavras, que nos guiarão para sempre. Estamos cotidianamente nos confrontando com essa busca. Porém, é claro que quando identificamos o que faz sentido, ganhamos maior consciência e fortalecemos nosso corpo para a caminhada. Com uma Organização é o mesmo, a força do Propósito é se manter aberto para ser questionado e manipulado, como um instrumento que se atualiza conforme os movimentos acontecem. O Propósito é vivo. Os dispositivos para realização de uma boa Gestão do Conhecimento são diversos e devem ser pensados e adaptados para cada Organização (aguarde nosso próximo artigo sobre esse tema).
Bom, já temos uma boa parte do infográfico explicado. Chegamos no momento de entender o output, ou seja: o que é expressado como resultado desse processo que, como vimos, é constante. A ideia é que essa busca possibilite consistência na proposição de uma “Causa” para a marca, uma ou mais intenções de transformação que a organização vai defender. A consciência do que quer transformar coloca a marca em uma posição de atenção constante para o mundo e para as pessoas, pois ela tem interesse nesse universo. Quais efeitos indesejados geramos nesse mundo? O que o mundo deixaria de ter se deixássemos de existir? São algumas perguntas dessa reflexão.
Um detalhe importante é que essa intenção de transformação não deve ser vendida, mas compartilhada. O Propósito manifestado nessas intenções de transformação não pode ser acessado apenas quando o usuário consome o produto ou serviço da marca, mas deve estar acessível e, idealmente, ativo amplamente, de forma aberta e irrestrita para quem quiser fazer parte. É algo que a marca oferece para o mundo, é algo que ela compartilha livremente. Vem de um devir ativista, está conectado ao processo de desenvolvimento de capacidades ativistas, no sentido de atitudes e ações que afirmam uma intenção de transformação com o mundo.
Com esse conjunto de práticas e processos, vivenciando efetivamente em seu cotidiano o Propósito e percebendo sua singularidade, fica muito natural transpor orientações para estratégias de Branding. Nesse caso, pensando tanto no público usuário/consumidor, quanto para os próprios colaboradores atuais e futuros potenciais contratados ou fornecedores, bem como toda a cadeia de valor. Na estratégia de Branding se considera o diálogo com as tendências e manifestações culturais do mundo, e é nesse momento que ocorre a criação de campanhas de comunicação e relacionamento de acordo com as necessidades de oferta dos produtos e serviços da marca.
Muitas ações podem ser realizadas, sendo a principal intenção melhorar a aproximação com as pessoas, fidelizando e qualificando a interação, de forma a ter mais participação, seja criativa ou produtiva. Todas elas trazem benefícios de grande valor, pois têm uma perspectiva de longo prazo, deixam legado e constroem histórias com afeto. Nesse sentido, um Branding que parte do Propósito ativa o desenvolvimento de um ecossistema de inovação, pois o negócio percebe sua relação de interdependência e compartilha valor.
Assim espero ter descrito os principais pontos do Infográfico. Ele fica à disposição de quem quiser e, se tiver alguma dúvida ou curiosidade, entre em contato. É importante lembrar sempre que, na prática, o trabalho acontece de uma forma muito dinâmica, pois estamos aprendendo a lidar com a abordagem do Propósito e muitas armadilhas podem se formar. Nossa tendência dualista de pensamento, que separa “bom e mau” e “certo e errado”, pode sugerir que exista uma posição “confortável” de encontro com o Propósito, mas não, é uma constante descoberta. Em um mundo complexo e cheio de nuances, um negócio com Propósito apenas assume um olhar crítico-criativo sobre si mesmo e reconhece que está em um caminho de permanente busca e aprendizagem. Logo, não há um fim, o trabalho está em desenvolver a grande capacidade de manter-se atento e em movimento.
*Para saber mais: Olafur Eliasson artista Islandês, nascido em 1967, conhecido por suas esculturas e instalações de grande formato, onde explora questões das ciências naturais e os nossos sentidos de percepção. Olafur, vive em Berlin, onde tem um verdadeiro laboratório de exploração espacial, misturando poéticas com pesquisa científica - conheça o trabalho em: https://olafureliasson.net/
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Esse texto foi escrito pelo Daniel Caminha e enviado para quem assina o Gulliver, a newsletter da Nômade.